segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Rumo à Meca nordestina

Uma das viagens mais inusitadas de minha vida foi, sem dúvidas, a ida para o IV Encontro de Mestres do Mundo, no Cariri cearense, na semana passada. Fiquei sabendo do evento uma semana antes da abertura, mas, a priori, nem cogitei em ir para a terra do Padre Cícero, pois estava sem dinheiro e sem a disposição dos antigos romeiros que, antes do advento do pau-de-arara e das marinetes caindo aos pedaços, partiam a pé ou de jegue para Juazeiro do Norte no intuito de cultuar o beato.

Eis que surge algo inesperado. Eu me encontrei com um amigo que estava indo para Mossoró e perguntou se eu queria ir com ele. A tentação foi tamanha que oprimiu qualquer vontade de dizer “não”. Só fiz uma pequena ressalva:

– Eu vou até Juazeiro do Norte, você me leva?

– Levo – respondeu sem titubear.

A empolgação tomou conta de mim, comecei a delirar diante da chance de viajar. Na verdade, eu nem sabia se Juazeiro estava na rota para Mossoró. Consultei o Google Maps e descobri, então, que eu teria de ficar em Brejo Santo, a 70 quilômetros de Juazeiro.

Eu fiquei sabendo que Andrade, um conhecido de Vitória da Conquista também iria, entrei em contato com ele e falei que talvez nos encontrássemos no Cariri. Ainda não tinha certeza se a viagem daria certo, pois, quem me ofereceu a carona ia a trabalho e não podia dar “ponga” para ninguém. O jeito seria apelar para a clandestinidade.

Dois dias depois, numa segunda-feira, lá estava eu na estrada, rumo à Meca do sertão nordestino. Em partes, sentia-me como um muçulmano em primeira umra*, cada vez mais próximos de tradições intimamente ligadas à minha formação identitária.

Às quatro horas da madrugada, do dia 2 de Dezembro, cheguei em Brejo Santo. A “escala” foi rápida. Mal desci na Rodoviária, chegou um ônibus para Juazeiro. Era um carro leito, não pegava passageiro no caminho, mas conversei com o motorista que compadeceu ao ver o tamanho da minha mochila e o “Deus seja louvado” numa nota de R$ 10, entregue a ele, pessoalmente.

Ao descer em Juazeiro, pedi a um moto-taxista que me levasse até uma hospedaria barata. O motoqueiro me conduziu até uma pousada cuja fachada me lembrou um boteco. Enquanto eu tirava o capecete, ele se adiantou, tocando campainha. Neste ínterim, fiquei imaginando que se tratava de uma dormida com direito a uma acompanhante. “Não tenho cara de religioso, mas será que este camarada está pensando que os motivos através dos quais cheguei no Sertão do Cariri são tão carnais assim?”, devaneava profanamente.

Abriu-se uma pequena fenda, na sequência, a porta inteira escancarou. Ao entrar, dei-me conta da religiosidade da casa e a possibilidade de ter sido levado para uma hospedaria boêmia foi minguando. Uma imagem de Padre Cícero Romão com cerca de 70 centímetros estava ali em minha frente. Era apenas uma das milhares vistas pela cidade, em todos os tamanhos e com adereços diversos.

– Quanto é a diária? – perguntei à mulher, ainda de pijama, com expressão de sono.

– R$ 15, o quarto com ventilador – respondeu entre bocejos.

Dei uma olhada no leito simples. Não me agradou. A alma burguesa sufocou o aventureiro, pedindo mais conforto.

Subi novamente na moto e pedi para me levar até um hotel no centro da cidade, mais próximo do Memorial Padre Cícero, onde o Encontro aconteceria. O caminho para o centro era uma descida só. O piloto colocava banguela na motocicleta quando era possível. Se para baixo todo santo ajuda, não falta santidade para ajudar no Juazeiro. Além das dezenas de lojas de artigos católicos, a estátua do "Padim", em destaque num ponto alto da cidade, marcou minha primeira incursão pela cidade. Imaginei as ruas cheias nos períodos de romaria. Lembrei-me do pouco que li sobre o "cânone popular", principalmente na literatura popular. Dirigi um pequeno filme mental, com imagens envelhecidas, como se fosse feitas em Super-8.

Chegamos no Hotel Guanabara, era um pouco melhor que o estabelecimento anterior. A localização, porém, foi fundamental para escolhê-lo como base. Logo na porta, vi uma cena que me fez questionar sobre o tamanho da população de Juazeiro, 242.000 habitantes, conforme havia lido na internet. Um vaqueiro tangendo uma boiada no asfalto, como se fosse nas ruas calçadas da minha pequena Maiquinique, na Bahia, onde o número de habitantes oscila em torno de 7000 habitantes. Aquilo não era nenhum atraso, parecia-me mais a real possibilidade de ver a interseção de épocas distintas. O tempo fez-se um grande poeta e o encontro dos costumes seus versos mais sublimes.

Deixei meus pertences no hotel. Apesar do cansaço, não resisti a uma volta pelas redondezas, estava ansioso para registrar algumas cenas daquela cidade que parecia conservar costumes que há muito eu não via no “meu sertão”. Queria eu constatar se o acontecimento visto a minutos atrás foi apenas algo efêmero, impossível de ser observado novamente, através dos meus olhos de turista.

Aos poucos, entre os quadros registrados e os relatos ouvidos, regressei a um universo onde o ritmo do tempo está entre o movimento vagaroso do sol escaldante que leva horas para descrever um dia e o frenesi de uma urbis em crescimento.

Descrevo em imagens minhas primeiras impressões.

*Peregrinação sagrada para Meca. Diferente do Hajj, que acontece num período específico, a umra pode ser realizada em qualquer época do ano.





De cima para baixo: Memorial Pe Cícero, ex-votos no Museu de Padre Cícero, Lan House itinerante [na faixa: Romeiros e Romeiras faça seu pedido virtual para Padre Cícero. Não paga nada.], orelhão símbolo da cidade, oratório dos devotos do Padre Cícero, imagens do "Padim", estátua de Luiz Gonzaga e "mega-castiçal" para romeiros.




2 comentários:

Indhira A. disse...

Poxa Glauber, que viagem incrível! Passei só para dar uma olhadinha básica em seu blog e sua narrativa me conquistou a ler até a última linha. Fantástico o modo apaixonado como contou sobre seu percurso, fora que a história é impagável - digna da sua criatividade para as coisas. E você acabou de me dar uma dica de roteiro de viagem. Belo lugar, belas fotos! Passarei sempre por aqui.
Abraço!!!
Indhira.

Glauber Lacerda: disse...

Eu fico agradecido pelo comentário, Indhy. Irei postar mais impressões da viagem em breve...