terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Hoje, em soirée: A volta do Tarzan*

Itarantim, 20 a.v. (antes do videocassete). Na pequena cidade do sudoeste da Bahia, localizada a 180 Km de Conquista, o Cine Teatro Montreal era o cenário de pequenos grandes acontecimentos de cada dia – encontro de amigos, primeiros beijos, lágrimas apaixonadas, risos descontraídos, reflexões vãs e algo mais. Diante da telona, as cadeiras transcendiam-se em ninhos onde a imaginação ganhava asas, e os espectadores constatavam que voar é humanamente possível.

Todos os dias, as películas exibidas nas sessões anteriores iam para Itapetinga para serem trocadas por outras, não necessariamente novas, muitas vezes, já velhas conhecidas dos itarantienses. Numa certa ocasião, depois da exibição de Tarzan, O Rei dos Macacos, o rolo seguiu para a cidade vizinha para ser substituído. Durante todo o dia, a moçada esperava ansiosa a nova história que viria. No lugar de selva e do “Krig-Ha, Bandôlo!”, grito de guerra do Homem criado por gorilas, cairia bem um deserto com os tiros de Django, famoso “cowboy italiano”.

No caminho, havia um obstáculo. Em períodos chuvosos, a estrada de terra entre Itarantim e Itapetinga era uma potencial locação para filmes de aventura, com um agravante que interrompia a cena, as cheias do Rio Pardo. Enquanto a Golden Gate Bridge fazia sucesso nos filmes hollywoodianos, a construção de pontes grandes era algo raro no interior da Bahia. Para atravessar o rio caudaloso, a balsa entrava em cena. Todavia, quando o volume de água aumentava muito, a embarcação, devido à força da correnteza, não podia fazer a travessia. Sem possibilidades de chegar à outra margem, os carros tinham de regressar para a cidade de origem.
E assim, naquela manhã de verão, o filme do Tarzan voltou para Itarantim.

A direção do cinema para não ficar no prejuízo, pôs no cartaz, Hoje, em soirée: A volta do Tarzan. O anúncio causou verdadeiro frenesi entre os cinéfilos, deslumbrados com a possibilidade de assistir a “continuação” do filme do dia anterior.

À noite, o Cine Teatro Montreal estava lotado. Como de praxe, tocou a música “O Milionário”, em seguida, apagou as luzes e deu início à projeção. Logo na primeira cena, ouviu-se um grito, “Ué! Este é o mesmo Tarzan de ontem!”. O comentário excitou outros.“É o ‘mesminho’!”, “A ‘volta’ só foi do Rio Pardo’!”. Em contrapartida, uma pessoa interessada em reviver as emoções da história, bradou por silêncio, “Calem a boca, vamos assistir ao filme!”. Como esta voz representava o desejo da maioria, não houve discussões, e a sessão seguiu bem até o fim.

Este era o Cine Teatro Montreal, não importava a idade do filme, se se tratava de um sucesso de crítica ou uma produção meramente comercial. A chance de ver o mundo além das limitações da pequena cidade e do pensamento mesquinho dos homens fazia daquela sala um lugar ímpar em Itarantim.

*Crônica publicada no jornal da III Mostra Cinema Conquista (2007), baseada nas memórias do itarantiense Magno Luciano, vulgo Véi da Jega.

2 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Fi,lindo seu registro. Nunca perca isso em você. Mantenha-se fiel à senibilidade... Sucesso!!